domingo, 10 de março de 2013

Alfabetização: vamos criar fichas para um jogo de memória?


Dentre os vários momentos delicados da alfabetização inicial, existe um que merece muita atenção: a passagem da hipótese silábica para a silábica alfabética. É a fase em que a meninada começa a abandonar a escrita quase sempre feita só com vogais e passa a escrever acrescentando consoantes. "A introdução das consoantes desorganiza o sistema anterior e as crianças devem empreender a penosa tarefa de encarar os desafios de encontrar uma nova organização", afirma a psicolinguista argentina Emilia Ferreiro no artigo A Desestabilização das Escritas Silábicas. Nesse processo, o aluno registra uma mesma palavra de modos distintos, em momentos diferentes, ainda em busca de uma estabilidade para escrever.

Para compreender o fenômeno e ajudar a garotada a progredir nas hipóteses de escrita, há diversos caminhos. Um deles é um projeto didático que prevê a produção de fichas para um jogo da memória. A proposta - criada pela pesquisadora Claudia Molinari, argentina especialista em alfabetização inicial - foi realizada pela turma do 1º ano da EE Professora Julieta Farão, na capital paulista. O tema escolhido foi animais e as crianças tinham de escrever o nome dos que já conheciam. Ao longo desta reportagem, apresentamos algumas produções dos alunos analisadas por Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita (FVC).

Fichas do jogo da memória dos animaisA mesma palavra escrita duas vezes revela o que a turma sabe


Para realizar a atividade, selecione um tema e prepare as cartas. Cada par precisa ter a foto de um bicho e um espaço para o nome dele. Depois, compartilhe com a turma o objetivo: construir um jogo para brincar com os colegas.

Para começar, distribua uma ficha para cada aluno, reservando o par correspondente para ser entregue depois. É importante planejar qual será dada para cada um, levando em conta suas hipóteses de escrita. Afinal, os desafios contidos em escrever SAPO e CACHORRO, por exemplo, são distintos. Uma vez que todos tiverem terminado, peça que leiam em voz alta o que escreveram. Entregue outras fichas para serem preenchidas e repita o processo de leitura. Em seguida, recolha os trabalhos.
No dia seguinte, cada criança recebe as fichas que fazem par com as que já escreveram e deve escrever o nome do animal correspondente novamente - sem consultar as anteriores. Se elas estivessem disponíveis, muitos estudantes replicariam o que tinham escrito antes. As intervenções que você pode fazer para ajudá-los nesse momento são as mesmas usadas em outras situações de produção escrita com foco na alfabetização: incentivar a busca por informações sobre o sistema de escrita em fontes conhecidas (lista de nomes da turma, por exemplo) e trocar ideias com os colegas. O esperado é que a maioria dos pares de palavras seja grafada de forma total ou parcialmente diferente. 

O fato de um aluno escrever PICO na primeira carta e PIAO na segunda (ou vice-versa) para PELICANO, por exemplo, revela que ele conhece diferentes letras e os sons correspondentes aos segmentos silábicos - um bom sinal. Porém deixa claro também os dilemas sobre quantas e quais letras usar e em que ordem colocá-las. Esse fenômeno recebe o nome de alternância grafofônica: quando se reveza o uso de duas letras para representar uma emissão sonora (no exemplo acima, C e A para CA). "Nesse cenário é interessante perguntar às crianças se as duas opções são pertinentes para a escrita da palavra", recomenda Telma Weisz, pesquisadora em alfabetização e supervisora pedagógica pelo Programa Ler e Escrever da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Muitas vezes, elas respondem que sim e acrescentam C à PIAO ou A à PICO. Se não o fazem na ordem correta, o resultado é um caso de desordem com pertinência. 

Não se esqueça de oferecer também situações que façam a criança refletir sobre a escrita para ter a chance de avançar. Uma dessas oportunidades é a revisão. 

Segundo Claudia, a necessidade de ter uma versão definitiva das fichas justifica a etapa de revisão. "A tarefa faz sentido mesmo se os cartões tiverem escritas idênticas, porém equivocadas. Elas podem ser reformuladas e melhoradas", diz. Os alunos, com a sua ajuda, colocam à prova o que sabem, acrescentando, omitindo ou trocando letras de lugar.

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